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  • Graziela Fernandes Todesco

Os robôs e a crise da Empatia

“A imagem do médico dando uma notícia à distância, ‘dentro de um robô’, é muito simbólica para os dias de hoje. Hoje os médicos dão a notícia dentro de uma bolha. Ela é formada por linguagem técnica, falta de conexão com o receptor, muitas vezes priorizando falar com familiares que com o próprio paciente”, disse o vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, o geriatra e paliativista, Douglas Crispim.

Recentemente a manchete do “Globo” seguiu exagerada e querendo chocar, como de costume em diversos meios. Ela dizia que um paciente havia recebido a notícia de uma doença grave de um robô.

Ao ler a reportagem, percebemos que na verdade a notícia foi sim dada por um médico, porém à distância, e sua imagem aparecia na tela de um dispositivo eletrônico. Mesmo exagerada, a notícia serviu de ilustração perfeita para o momento que acredito que a medicina e a saúde estão vivendo: o conflito com a empatia.

“Posso estender mais ainda esta reflexão para um movimento de ordenação dos cuidados que vem acontecendo há anos. Durante tantos anos, a medicina aprendeu a buscar uma zona de conforto, e conseguiu em boa parte delas. Quando delegamos o cuidado do sofrimento alheio apenas aos medicamentos, quando queremos tratar a angústia com um novo teste diagnóstico, quando fazemos propaganda de um hospital apenas mostrando seus aparelhos, quando a mídia prega que hospital X ou Y é o melhor lugar a se procurar para se ter saúde, estamos tirando o cuidador (profissional) da linha de frente do cuidado”, disse o vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, o geriatra e paliativista, Douglas Crispim.

O mesmo acontece quando falamos mais que ouvimos, quando num momento de raiva e luto pedimos “calma”, quando conversamos com pacientes de pé ao lado do leito e não sentados ao seu lado, quando julgamos familiares e pacientes como “difíceis” ou “complicados” se discordam de nós.

“Sempre a busca pela fórmula, o caminho mais fácil, o protocolo. Quando a medicina não sabe a causa, ela diz ‘origem idiopática’, e assim os profissionais não criaram um escudo, mas uma muralha entre eles e os pacientes. Agora que tudo isto está se tornando consciente, antes da mudança definitiva, dois grupos vão passar por uma guerra simbólica: os que lutam para seguir encontrando motivos para afastar e os que lutam para quebrar esta muralha. Que ilustração poderia ser melhor para o primeiro grupo que a de um homem dando uma má notícia à distância?”, questiona o médico.

Mas para o paliativista, não dá para voltar atrás, afinal a telemedicina veio para ficar. Não adianta combate-la nem argumentar contra sua ideia. É um grande retrocesso ficar prorrogando a regulação deste tipo de atendimento no Brasil. O principal neste caso é entender suas verdadeiras indicações.

“Quando dividimos o número de especialistas em determinadas áreas pelo número de habitantes do Brasil fica claro que a maioria das pessoas não tem acesso ao especialista. Quem você acha que são as pessoas que não têm acesso? Certamente pensou nos mais pobres e que vivem no interior imenso deste país. O movimento de crescimento da Medicina de Família e Comunidade nos trouxe de volta aquilo que nunca deveríamos esquecer, a coordenação do cuidado não é feita pelo especialista e sim pela atenção primária. Bom atendimento de medicina de família com suporte de inteligência artificial e telemedicina vão ser o norte da saúde pública e privada no futuro próximo”, argumenta o médico.

Mas e comunicação precisa de telemedicina?

Comunicação é o principal instrumento de trabalho da maioria dos profissionais de saúde. Comunicar é o procedimento que um médico mais vai fazer ao longo de toda sua carreira. Por tantos anos, este tema foi esquecido e reduzido ao currículo oculto.

Durante tanto tempo, as pessoas procuraram renovação profissional com capacitação em procedimentos e novas técnicas. “A comunicação, essa habilidade vem com o tempo, com os erros, às custas de frustração profissional e sofrimento dos pacientes e familiares. A imagem do médico dando uma notícia à distância, ‘dentro de um robô’, é muito simbólica para os dias de hoje. Hoje os médicos dão a notícia dentro de uma bolha. Ela é formada por linguagem técnica, falta de conexão com o receptor, muitas vezes priorizando falar com familiares que com o próprio paciente. Pior de tudo é que eles entram nessa bolha não por mal, mas por medo. Medo de serem atingidos, de sofrerem junto, de se envolverem. Precisamos avisá-los que esta bolha é imaginária, sim, mesmo sem querer eles irão sofrer, se frustrar profissionalmente enquanto negarem a força da real vulnerabilidade: a empatia”, pontua Crispim.

Aceitar e provar do sofrimento do outro de maneira consciente, aprendendo a se cuidar junto é uma experiência que transcende o tempo e ressignifica o ato de cuidar. “Profissionais, que tal experimentar doses de empatia hoje, escolher alguém, sentar do lado, olhar no olho, e ouvir com a alma”, conclui o médico.

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